Convergência da arquitetura indígena e quilombolas com Soluções baseadas na Natureza

Dulce Moraes
Dulce Moraes

Conexão In Natura

Na Conferência Internacional CAU 2025, ocorrido em setembro em Brasília/DF, a contribuição dos saberes ancestrais na produção de espaços construídos e na preservação de territórios teve lugar de destaque nos debates.

A arquiteta urbanista  e fundadora da Guajava Arquitetura da Paisagem e UrbanismoRiciane Pombo, foi uma das convidadas a compartilhar suas experiências em projetos de Soluções Baseadas na Natureza durante o diálogo “Arquiteturas Quilombolas e Indígenas”,  ao lado da artista visual quilombola, Andrea Mendes, e do arquiteto indígena João Kayoli.  

O encontro, mediado pela arquiteta Melyssa Mayla, integrante da câmara temática “Arquitetura e Urbanismo e Diversidade: Quilombolas e Indígenas” do CAU-SP, trouxe relatos de resistência, lições de ancestralidade e críticas ao modelo urbano hegemônico, ressaltando como a arquitetura pode — e precisa — ser repensada a partir dos saberes tradicionais.

Um futuro possível e ancestral

Riciane Pombo destaca que os povos indígenas e tradicionais já abraçam soluções baseadas na natureza de maneira ancestral

Riciane Pombo, que fez parte da Coordenação de Povos Indígenas da Secretaria  Municipal de Direitos Humanos e Cidadania do Município de São Paulo, trouxe uma provocação sobre o conceito Soluções baseadas na natureza ou SBN cada vez mais debatido em ambientes técnicos e acadêmicos como “novidade” ou inovação diante dos desafios climáticos enfrentados pelas cidades. 

Quem sempre soube cuidar dos biomas que hoje tentamos recuperar?”, questionou ela, relembrando o fato de a colonização e o processo de urbanização no Brasil terem expulsados os povos indígenas e tradicionais de seus territórios e silenciado saberes que poderiam ter evitado parte dos desafios ambientais atuais, como enchentes, erosões, ilhas de calor e insegurança hídrica. 

Para a especialista em SBN, os povos indígenas e quilombolas, há séculos, aplicam estratégias que hoje são redescobertas como caminhos para enfrentar a crise climática.

“Devemos nos conscientizar que o futuro é, de fato, ancestral”, afirmou ela, reforçando que práticas que aliam funcionalidade, coletividade e respeito à natureza devem estar no centro da arquitetura contemporânea. 

Arquitetura indígena: identidade e coletividade

João Kayoli fala das contribuições dos saberes ancentrais para arquitetura contemporânea e políticas públicas

O arquiteto e urbanista indígena João Paulo Kayoli destacou que a arquitetura dos povos indígenas representam seu modo de viver, sua cultura, espiritualidade e organização social. 

A arquitetura indígena é muito além de uma construção física e suas contribuições se conectam à sustentabilidade, ao design biofílico e ao fortalecimento da coletividade e do pertencimento. “E ela é viva e contemporânea”..

Para Kayoli seria muito produtivo que nas políticas públicas fossem ouvidas as comunidades dos territórios, respeitando seus modos de fazer, em vez de impor modelos externos.

Bioconstrução como resistência no Quilombola Anastácia:

Andrea Menezes apresenta a potência da arquitetura quilombola e os desafios do racismo climático

A arquiteta, urbanista, engenheira e artista visual Andrea Mendes, também integrante da Câmara Temática Indígena do CAU/SP, trouxe como contribuição para o debate a  experiência do Quilombo Anastácia, localizado na cidade de Araras, no interior do estado de São Paulo. 

Atualmente, cercada por monoculturas de cana-de-açúcar, a comunidade do quilombo ergue casas de terra em formato circular, construídas coletivamente em mutirões.

“A nossa arquitetura é social, mental e ambiental”, afirmou. Essas moradias não são apenas abrigos, mas espaços que acolhem vida, cultura e espiritualidade”.

Andrea também expôs um triste desafio enfrentado pela comunidade: o racismo ambiental. Em junho deste ano, segundo ela, um incêndio criminoso destruiu árvores de mais de 30 anos e parte das plantações. “Não podemos falar de sustentabilidade sem falar de racismo ambiental”, alertou.

Conferência Internacional CAU 2025

A Conferência Internacional CAU 2025 conecta memória, espaço e transformação para repensar o futuro da arquitetura e do urbanismo. Promovido pelo Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU/BR), em parceria com o American Institute of Architects (AIA International) e o AIA América Latina, o evento reuniu mais de 120 palestrantes nacionais e internacionais e recebe cerca de três mil participantes.

Fonte: CAU.GOV.BR